"Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu!"
Clarice Lispector em entrevista,
comentando sobre quando começou
a ler um livro numa livraria aos 15 anos
Clarice Lispector, de origem judaica, nasceu como Haia Pinkhasovna Lispector na Ucrânia em 1920. Seus pais foram perseguidos por serem judeus durante a Guerra Civil Russa (1918-1921), e Clarice chegou ao Brasil aos dois meses de idade. O pai sugeriu a troca dos nomes, e foi aí que Haia passou a se chamar Clarice. Naturalizada brasileira, quando questionada sobre a Ucrânia, ela afirmava que "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo", e que sua pátria era o Brasil.
Em Recife, Clarice aprendeu a ler e a escrever. Falava vários idiomas (francês, inglês, idiche, hebraico). Passou por uma situação difícil aos nove anos quando a mãe morreu das consequências da doença sexualmente transmissível sífilis, a qual tinha contraído ao ser estuprada durante a Guerra Civil Russa. Aos dezesseis anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde terminou os estudos e foi aceita na faculdade de Direito, em 1939, na Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro). Data de maio de 1940 seu primeiro texto publicado, Triunfo, pela Revista Pan.
Clarice Lispector, sempre em busca da identidade |
O pai de Clarice morreu em 1943 após uma cirurgia de retirada da vesícula biliar. Devastada, ela abandonou a religião judaica. Ainda nesse ano, foi contratada pela Agência Nacional para distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádios. Casou-se com Maury Gurgel Valente, um diplomata, e por conta de seu cargo no Ministério das Relações Exteriores, teve de viajar para a Itália. Clarice acompanhou o marido e se tornou voluntária junto ao corpo de enfermagem da Força Expedicionária Brasileira, em plena Segunda Guerra Mundial. Em 1943 também lançou seu primeiro livro, escrito aos dezenove anos, Perto do Coração Selvagem, surpreendendo o público pela crise existencial presente. Morou nos Estados Unidos, Suíça, Inglaterra, porém sempre sentindo saudade do Brasil.
Clarice Lispector, uma das principais escritoras brasileiras |
Em 1948, na Suíça, nasceu seu primeiro filho, Pedro. Clarice começou a se sentir culpada pois, na adolescência, o filho foi diagnosticado com esquizofrenia. Em 1953, nos Estados Unidos, Clarice deu à luz seu segundo filho, Paulo. Em 1959, separou-se do diplomata e voltou ao Rio de Janeiro. A escritora já trabalhou pelo pseudônimo Helen Palmer e como ghost-writer da atriz Ilka Soares.
Em 1966, Clarice dormiu com o cigarro aceso, o que causou um incêndio. Ela foi levada ao hospital com risco de morte por três dias. Depois disso, ainda permaneceu hospitalizada por dois meses.
Em 1977, pouco após o lançamento de seu romance mais popular, A Hora da Estrela, Clarice foi hospitalizada com câncer inoperável no ovário. Morreu no mesmo ano, na véspera de seu aniversário de 57 anos.
Clarice Lispector é conhecida como autora intimista, que divaga em suas obras a busca da individualidade. Seus personagens sentem o ímpeto de libertação das amarras sociais ao alcançarem as respostas de sua própria situação. A introspecção é essencial para o leitor compreender que, como Clarice declarou "os meus livros não se preocupam com os fatos em si, porque para mim o importante é a repercussão dos fatos no indivíduo". Desse modo, a estrutura dos livros atendem a uma certa liberdade literária, em que há mais ênfase naquilo que os personagens pensam, sentem e descobrem no desfecho.
O crítico Affonso Romano de Sant'Anna definiu a narrativa de Lispector em quatro tópicos básicos:
1. A personagem é disposta numa determinada situação cotidiana.
2. Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela personagem (algo como uma inquietação).
3. Ocorre o evento que ilumina sua vida (epifania - descoberta da própria identidade a partir de um estímulo externo).
4. Apresenta-se o desfecho, no qual a situação da vida da personagem, após a epifania, é reexaminada.
Extremamente popular no mundo "virtual", adolescentes que nunca leram qualquer romance da autora buscam por citações e se identificam. O problema é que em algumas situações, essas frases são falsas, divulgando-se, assim, uma falsa Clarice. O estilo "clariciano" de escrever instigou vários estudiosos e inspiraram vários outros autores.
O blog de Gustado Dourado põe em poesia a biografia de Clarice. Para ler, clique aqui. A editora Rocco em 2012 criou A Hora de Clarice, uma homenagem em eventos e postagens a essa escritora que tanto inspirou a literatura atual, em que são lançados edições novas para seu aniversário, 10 de dezembro.
Clarice, "a bruxa da literatura brasileira" |
"A literatura deve ter objetivos profundos e universalistas: deve refletir e questionar sobre um sentido para a vida e, principalmente, sobre o destino do homem na vida."
- Em 1944, o livro Perto do Coração Selvagem ganhou o prêmio de melhor romance de estreia pela Fundação Graça Aranha.
- O título de "a grande bruxa da literatura brasileira" se deu pois Clarice realizou uma viagem à Colômbia, em 1975, convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, onde apresentou um de seus contos. Essa viagem criou no Brasil a mitologia entre alguns jornalistas que passaram a afirmar que tinham visto aparições da escritora vestida de preto e coberta de amuletos.
- Ao longo de sua vida, Clarice foi amiga de Fernando Sabino e Rubem Braga.
- O cantor Cazuza leu o livro Água Viva por 111 vezes e criou a música Que o Deus Venha inspirado no romance. Para assistir no Youtube, basta clicar aqui.
- Clarice Lispector traduziu os livros O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, Entrevista com o Vampiro, de Anne Rice, dois romances de Agatha Christie, contos de Edgar Allan Poe e outros.
- A filósofa francesa Hélène Cixous, sem saber como classificar a obra de Clarice Lispector, disse que há a literatura brasileira a.C (antes de Clarice) e d.C (depois de Clarice).
- Seu livro de contos de 1974, A Via Crucis do Corpo, possuía alto caráter sexual e foi considerado pela revista Veja e Jornal do Brasil como "lixo".
- Clarice trabalhou como colunista no Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Diário da Noite entre as déc. de 60 e 70, escrevendo sobre o mundo feminino e suas vaidades.
- Benjamin Moser, que escreveu a biografia de Clarice, Why This World?, que no Brasil recebeu o nome "Clarice", tem dois projetos em 2012: um documentário e um longa-metragem sobre a escritora, com o objetivo de torná-la mais conhecida ao redor do mundo.
“Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também
penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão
estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.”
LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela.
Escrito por MsBrown
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