Clarice Lispector possui uma narrativa bem intimista, em que os pensamentos são levados a outro patamar, deixando os fatos em si refletirem nos personagens intensamente. Por conta de seu estilo de escrita único, surgiu até mesmo o termo "clariciano" que, depois de Clarice, muitos outros autores apresentaram algumas de suas características.
Para o Especial de Aniversário da Autora Clarice Lispector, aqui discutiremos dois de seus livros.
A Hora da Estrela
A Hora da Estrela foi lançado em 1977, ano de morte da escritora e, inclusive, a crise existencial que a personagem vive parece ser fruto da crise da autora, como se Clarice soubesse que seu fim estava próximo. Usando a metalinguística, o personagem autor-narrador da protagonista Macabéa, identificado como Rodrigo S. M., ao mesmo que conta a história da mulher, também conta sobre o processo de criação, buscando em sua própria obra respostas para si mesmo.
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, edição pela Editora Rocco |
Macabéa é alagoana, ignorante, "datilógrafa" e tem dezenove anos. Mudou-se para o Rio de Janeiro com a tia que cuidou dela desde os dois anos de idade. Quando a tia morre, Macabéa muda-se para um quarto que divide com quatro moças que trabalham nas Lojas Americanas: Maria da Penha, Maria Aparecida, Maria José e Maria. Macabéa é avisada que será despedida do trabalho por ser uma péssima datilógrafa; o patrão quer apenas continuar com a colega Glória, que se considera sensual e bonita. A personagem principal ouvia a Rádio Relógio apesar de não entender muito o que os locutores falavam e queria ser a atriz estadunidense Marilyn Monroe. Macabéa conhece Olímpico de Jesus, metalúrgico paraibano ambicioso que estava disposto a ascender socialmente. A relação dos dois apresenta problemas de comunicação, por Macabéa não saber o que conversar, além de Olímpico se considerar superior a ela.
Clarice comentou sua obra numa entrevista à TV Cultura "A história de uma moça tão pobre que só comia cachorro quente. Mas a história não é isso, é sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima". Macabéa, sempre ingênua, passa despercebida pelo mundo e não se dá muito valor. É bem observada por Rodrigo S. M no trecho abaixo:
“Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava não ter direito,
ela era
um acaso. Um feto jogado na lata de lixo embrulhado
em um jornal. Há milhares
como ela? Sim, e que são apenas
um acaso. Pensando bem: quem não é um acaso na
vida?
Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso
porque escrevo, o que é
um ato que é um fato.”
(LISPECTOR, A Hora da Estrela)
Como já dito, não são os fatos que importam na narrativa de Clarice. Esse livro, por exemplo, apresenta essa personagem um tanto insossa vista do exterior, porém quando analisado seus pensamentos, é aí que se destaca, porque, de um modo ou de outro, consegue conectar os leitores e deixá-los a refletir sobre seu papel na sociedade e a importância de primeiro criar-se uma identidade para si mesmo.
O livro chama-se A Hora da Estrela porque, além de Macabéa ter o sonho de tornar-se como Marilyn Monroe, ela consegue chegar ao ápice onde é observada por várias pessoas, o momento que brilha como uma estrela no sentido de cativar a atenção. Rodrigo S. M. encerra seu trabalho com essa personagem e reflete sobre A Hora da Estrela. Ele também terá sua hora de estrela.
O livro foi transformado em filme em 1985, dirigido por Suzana Amaral e estrelado por Marcelia Cartaxo como Macabéa, José Dumont como Olímpico de Jesus e Fernanda Montenegro como Madame Carlota.
“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo:
sobrei e não há lugar para
mim na terra dos homens.
Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado,
não
suporto mais a rotina de me ser e se não
fosse a sempre novidade que é
escrever, eu me
morreria simbolicamente todos os dias.”
(LISPECTOR, A Hora da Estrela)
Um Sopro de Vida (Pulsações)
Um Sopro de Vida foi lançado postumamente, apesar de Clarice ter começado a escrevê-lo em 1970. O livro apresenta um escritor que cria, dá o sopro de vida, à Ângela Pralini, seu alter-ego. O escritor tenta entender Ângela, fala sobre sua adaptação à vida. Às vezes torna-se frustrado porque não reconhece sua própria obra. Ângela é seu avesso. Sua criação máxima que tem ideias próprias. É intuitiva, movida pela paixão. O escritor é metódico, critica o modo de escrever de sua personagem porque o estilo dela é livre.
O livro é uma agradável conversa entre escritor e personagem. Não há fatos. Não há acontecimentos distantes dos dois. É uma tentativa do escritor de entender sua existência. Ângela surge de um homem aflito em busca de respostas. O drama de muitos escritores, a dor ao escrever e criar.
Um Sopro de Vida, de Clarice Lispector, edição da Editora Rocco |
"Tenho medo de escrever. É tão perigoso; Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. (...) Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras - quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
(LISPECTOR, Um Sopro de Vida)
Confesso que ao ler, pensei que o escritor (personagem), na verdade era a Clarice, ali pura, honesta, confessando sua mente. Que estava fazendo o mesmo que o personagem escritor: escrevendo para tentar se salvar, para se libertar e contemplar respostas sobre uma crise existencial. Clarice sempre me faz querer anotar todas as frases que criou. Cada ponto final é o corte para que outra frase inspiradora tome lugar. Também considero especial o modo como ela permite aos outros escritores (principalmente) perceberem que não estão sozinhos e a preocupação em deixar claro que o que mais importa é a individualidade.
Escrito por MsBrown
Olá!
ResponderExcluirÉ engraçado porque todo mundo ama a Clarice, e de fato ela é um ícono em nossa literatura, mas eu particularmente não tenho essa paixonite toda. Porém, aprecio o espaço que a blogosfera dá a autora que tanto foi marcante... isso me dá a chance de conhecer mais sobre ela, e sobre suas obras. Adorei o port!
Um abraço!
http://universoliterario.blogspot.com.br/
Obrigada, Francielle. De fato, muitas pessoas não gostam da obra de Clarice, mas é sempre importante falar sobre ela e sua contribuição à literatura brasileira.
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